SUBIDA DE TAXAS BCE - SET 2022 (PARTE 3)

Emanuel Vieira

Mercado imobiliário

O impacto que os contraentes de empréstimos para compra de habitação sentirão com o ciclo de subida de taxas de juro poderá afetar o mercado imobiliário e a sua bonomia dos últimos anos. Do lado da procura, assumindo que uma parte deste universo recorre a empréstimo com base numa determinada taxa de esforço, então para manter a prestação dentro da taxa de esforço, os contraentes terão de migrar as suas escolhas para imóveis mais baratos, visto não terem poder para alterar o indexante (taxa de mercado).
Isolando esta vertente, que não será a única a influenciar os preços dos imóveis de habitação, é natural esperar um impacto negativo nos preços da habitação.
De uma forma básica procurámos avaliar o tipo de impacto nos preços das casas considerando apenas este efeito. Nos exemplos a seguir resumidos, o exercício passa por manter o patamar da prestação e assumir o pressuposto de que os empréstimos representam 80% do valor do imóvel. Nos quadros abaixo a hipótese 0 já não é realista, mas é essencial como termo de comparação para quem já não peça uma simulação de empréstimo pelo menos desde 2021, e assume uma Euribor -0,5%.
Para um imóvel de 312 500 euros assumimos que 20% (€ 62500) seriam avançados em capital próprio e os restantes 250 mil euros via empréstimo habitação. Sem contar com outros custos como seguros e impostos, a prestação seria de aproximadamente 575€ (atualmente não se aplica). Nas hipóteses seguintes calculámos qual seria o valor possível de empréstimo considerando que a prestação teria de ser próxima dos 575€, uma alteração no indexante em alta, e mantendo os restantes pressupostos (como o capital próprio de 62500 euros).

A primeira tabela apresenta os valores para empréstimos a 40 anos:

 

Esta segunda tabela apresenta os valores para empréstimos a 30 anos:

 

Esta terceira tabela apresenta os valores para empréstimos a 20 anos:

 

Em conclusão, se considerarmos a influência das taxas de juro na capacidade de compra de imóveis e, consequentemente, a sua influência no preço dos mesmos, então o cenário de taxas Euribor a rondar os 2% pode levar a um ajuste de preços em baixa entre 16% a 28%, em comparação com o ambiente de taxas baixas/negativas em que vivemos durante vários anos.
Numa perspetiva de arrendamento é possível que haja um comportamento inverso devido à menor capacidade para contrair empréstimos. Esta observação pressupõe que o mercado de arrendamento não esteja a praticar níveis muito mais elevados do que as prestações médias esperadas após as alterações das taxas de juro. É possível que, em primeira instância, os rendimentos provenientes de rendas de imóveis não sejam nominalmente prejudicados. Para quem procure rendimentos por esta via com recurso a crédito terá de ponderar os dois lados da balança, sendo de esperar um aumento da prestação percentualmente superior ao aumento que consiga aplicar na renda.

Na perspetiva de investimentos, o imobiliário pode ainda ser comparado com outro tipo de ativos, nomeadamente os que oferecem rendimentos constantes. Para tentar simplificar iremos comparar os rendimentos (yields) esperadas/calculadas de um imóvel face a obrigações soberanas da Zona Euro.
Com base em algumas observações, que não constituem um estudo, mas sim uma primeira ideia, percebemos que uma casa que pode custar perto de 350 mil euros na zona de Paranhos no Porto, pode ser arrendada por cerca de 1000 euros (valores concretos dependem de várias características, mas é um tema que não vamos aqui aprofundar).
Admitindo despesas de condomínio de 50 euros por mês e IMI de 500 euros, esta casa teria um rendimento líquido de despesas de 10900, ou 3,11% face ao capital a investir (sem descontar despesas de manutenção). Para sermos mais exatos, devemos considerar o investimento inicial considerando custos de aquisição. Se a casa custar 350 mil euros, só em impostos associados à transação terá de se adicionar 19765 euros, o que eleva o custo total para perto de 370 mil euros e reduz o rendimento do arrendamento para 2,94%.
Esta yield (taxa de rendimento) foi atrativa nos últimos anos pois uma das alternativas de investimento – depósitos e obrigações de elevada qualidade creditícia – oferecia yields muito baixas e até negativas em alguns casos.
As yields a 10 anos de governos, incluindo Portugal e Espanha estiveram quase sempre abaixo de 1% desde 2019 até há poucos meses:

Com as recentes subidas de taxas, a yield do imobiliário compara atualmente com as seguintes taxas de mercado de dívida soberana:

Maturidade

Alemanha

França

Itália

Espanha

Portugal

5 anos

1,83%

2,09%

3,43%

2,48%

2,37%

10 anos

1,94%

2,49%

4,19%

3,08%

2,99%

 

Numa comparação mais direta, o exemplo acima implica uma yield inferior à de uma obrigação soberana portuguesa com maturidade a 10 anos (2,94% vs 2,99%). Os valores comparados são ambos antes de impostos sobre rendimentos – neste caso aplica-se a tributação autónoma de 28%, exceto em casos específicos.
Em teoria, o imobiliário deveria pagar um prémio de risco face ao risco do país expresso na yield da obrigação do estado português. Como se tem assumido que o imobiliário não tem risco, ou porque se considera que não se perde se não se vender (mantendo-se o imóvel) ou porque o passado recente apenas tem mostrado uma tendência de valorização, a teoria é questionada por um certo enviesamento dos investidores. No entanto, é claro que, no mínimo, deveria existir um prémio de risco associado à menor liquidez do imobiliário e ao risco associado ao mesmo. Se o prémio de risco das ações ronda geralmente os 4 a 6%, para o imobiliário, visto de forma agregada poderíamos assumir um prémio de risco inferior, mas ZERO!?
Um outro fator de maior complexidade de análise é a relação do imobiliário com a inflação. Não vamos explorar esta via, mas podemos avançar que a proteção que o imobiliário dá face à inflação poderá, neste período, estar muito associada às políticas expansionistas dos bancos centrais e a forma como estes distorceram os riscos, ou seja, pode já ter ocorrido o efeito de inflação no imobiliário antes de se ter iniciado o ciclo inflacionista atual nos índices de preços dos consumidores.
Esta parte da análise (imobiliário) é muito genérica e poderá não se aplicar a alguns casos em concreto, especialmente caso se trate de nichos de mercado (p.e.: muitas vezes o imobiliário de luxo valoriza em períodos de crise, enquanto a generalidade sofre um ajuste de preço).

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