Subida de taxas BCE - SET 2022 (parte 1)

Emanuel Vieira

Depois de cerca de 10 anos de taxas de juro extremamente baixas e até negativas, o BCE subiu a 8 de Setembro de 2022 as taxas de juro de depósito e de refinanciamento para 0,75% e 1,25% respetivamente:

Questões mais técnicas:


    • A taxa de depósito é a taxa de juro que os bancos recebem por depositarem dinheiro no BCE overnight;
    • A taxa de refinanciamento é a taxa de juro anual mínima que os bancos têm de pagar ao pedir emprestado ao BCE em operações semanais;
    • Existe ainda a taxa de juro de facilidade de cedência permanente para valores que os bancos pedem emprestado ao BCE overnight, que também foi aumentada em 75 pontos base, neste caso para 1,5%.

 

Porque subiu o BCE as taxas de juro em 75 pontos base?


Para responder a esta questão é essencial perceber qual é o propósito do BCE.

O BCE em conjunto com os bancos centrais nacionais da Zona Euro constituem o Eurosistema. O principal objetivo do Eurosistema é a manutenção da estabilidade de preços, ou seja, a salvaguarda do valor do euro.

Durante muitos anos os “preços” estiveram maioritariamente a subir a abaixo de 2%/ano, que é considerado o nível “saudável” de inflação:

 

Durante uma boa parte da última década o BCE viu como maior ameaça a deflação (taxa de variação de preços negativas), ao qual a instituição adicionou uma vertente de apoio às economias da Zona Euro (incluindo mecanismos de bailout para alguns membros) que em primeira instância não consta do seu mandato. Esta vertente de apoio às economias teve como principal recurso a criação de massa monetária para financiar estados:

Com base neste último gráfico, somos tentados a pensar que a criação excessiva de massa monetária por parte do BCE levou a um aumento de preços acima da tendência normal (a linha a azul é a evolução do índice harmonizado de preços da Zona Euro, com base corrigida para 100 para melhor perceção da evolução em comparação com o balanço do BCE em termos de ponto de partida).

Este recuo ao histórico é essencial para tentarmos responder à questão colocada: Porque subiu o BCE as taxas de juro em 75 pontos base?

Em resumo, a inflação sentida em 2022, em especial nos últimos meses, leva-nos a considerar que o BCE não está a ser capaz de atingir o seu principal objetivo. O último gráfico leva-nos a crer que foi até um dos causadores desta situação que vais no sentido contrário ao seu objetivo. Se assim é, surge outra questão muito importante para responder à primeira: Qual a credibilidade atual do BCE?

Com este enquadramento conseguimos de forma mais fácil responder à primeira questão. A subida de 75 pontos base nas taxas de referência, depois de em Julho ter subido 50 pontos base, e tendo já apontado a para as próximas reuniões novas subidas, provavelmente também acentuadas, são a forma do BCE tentar alcançar o seu objetivo em relação à inflação e recuperar a credibilidade.


 

Dito isto, é mais do que expectável que o BCE venha a subir taxas novamente, com o mercado a descontar subidas da taxa de juro de depósitos até 2,25% a 2,5% até meados de 2023. Os dados económicos, incluindo da inflação, poderão ditar um rumo diferente, mas para já são estas as perspetivas, que incluem uma subida até 1,75% ou mesmo 2% até final do ano.

Como é que esta evolução afeta os mercados?

Mercado monetário

EURIBOR – O termo Euribor significa Euro Interbank Offered Rate. As taxas Euribor baseiam-se na média das taxas de juros praticadas em empréstimos interbancários em euros por um grande número de bancos europeus. Nestes empréstimos são aplicados vários prazos: desde 1 semana até 12 meses. Este mercado é de especial relevo no que diz respeito aos empréstimos habitação, pois na Europa tem-se recorrido em grande parte a empréstimos com taxa variável indexada a uma destas referências (Euribor 3 meses, 6 meses e 12 meses). Menos relevante para clientes de NÃO profissionais é a recentemente criada taxa ESTER (ou €STER) que veio substituir a Eonia (Euro OverNight Index Average). A ESTER é a taxa de interesse interbancário da zona Euro com um prazo de 1 dia (overnight). Como seria de esperar, as taxas de mercado monetário acompanham, até com alguma antecipação, a evolução das taxas de referência do BCE:

 

A Euribor a 6 meses atingiu a barreira de 0% cerca de mês e meio antes do BCE subir a taxa de depósitos de -0,5% para 0%. Já a Euribor a 12 meses atingiu essa barreira 3 meses antes da decisão do BCE a 21 de Julho.

Antes da reunião do BCE no passado dia 8 de Setembro, as Euribor a 6 e 12 meses já descontavam com grande probabilidade uma subida de 50 pontos base na taxa de depósitos por parte do banco central, e com probabilidade quase tão elevada uma subida de 75 pontos base. No final de Agosto estas taxas estavam a 1,203% e 1,778% respetivamente. Depois de confirmada a subida de 75 pontos base estas taxas fixaram-se nesse dia nos 1,354% e 1,903% respetivamente.
Uma vez que as expectativas são que o BCE suba a taxa de depósitos até 2,25% a 2,5% (podendo o cenário macroeconómico alterar-se e a subida superar ou ficar aquém deste intervalo) e depois venha a cortar em 25 pontos base até final de 2023, é de esperar que as Euribor se aproximem desses patamares. Se a incerteza quanto ao rumo da política de taxa de juro do BCE baixar e não se verificarem danos de confiança no mercado interbancário, será de esperar que as Euribor não se afastem muito desse patamar.
Existem vários SEs, mas assumindo o cenário central, será de esperar que as Euribor ainda venham a subir, em especial as Euribor de prazos mais curtos que têm mais margem para ajustar.

 

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