Inflação, Obrigações e Inflation-Linked Bonds

Alexandre Mota

Determinantes da taxa de juro

As taxas de juro podem dividir-se em três determinantes: preferência temporal; risco de crédito e risco de inflação.

A preferência temporal significa que, tudo o mais constante, as pessoas preferem consumir hoje a fazê-lo mais tarde. Esta preferência está ligada ao facto de a ação humana estar sujeita à escassez de tempo ditada pela finitude da vida humana terrena. Neste contexto, a taxa de juro é o preço de troca da preferência temporal ou, dito de outra forma, o preço do adiamento do consumo presente. Num exemplo hipotético e extremo, no qual a vida terrena seria eterna, a escassez de tempo não existiria, pelo que seria praticamente indiferente consumir hoje ou daqui a um ano. Nesse caso, a taxa de juro seria próxima de zero. Em contraste, se soubéssemos que a vida terrena terminaria daqui a um ano, o acréscimo na preferência pelo consumo presente em detrimento da poupança seria óbvio. Nesse cenário, o preço de adiar o consumo seria muito alto, o que é o mesmo que dizer que a taxa de juro seria elevada. Portanto, em resumo, a componente básica da taxa de juro, num mercado livre, está intimamente ligada às preferências temporais dos agentes económicos.

A componente de risco de crédito está ligada ao risco de incumprimento por parte de quem pede emprestado. Esta componente é normalmente descrita como spread de crédito e sobe sempre que o risco percecionado aumenta, quer por condições económicas gerais quer por condições específicas de quem pede emprestado.

A componente de risco de inflação está ligada não só à leitura desse indicador como também à expectativa sobre a sua evolução futura. Expectativas de inflação mais altas levam a taxas de juro mais altas, porque é natural que quem empresta exija um prémio que cubra a probabilidade acrescida de ver o seu investimento penalizado em termos reais, isto é, em termos nominais menos a inflação.

Nota: O chamado prémio de liquidez pode também ser incluído como uma determinante das taxas de juro, podendo para tal ser incluído como uma subcategoria da preferência temporal ou do risco de crédito.

Tanto a componente de preferência temporal como a componente de risco de crédito são, em larga medida, perturbadas pelos programas de compras dos vários bancos centrais. Na verdade, as taxas de juros não estiveram baixas durante estes anos todos porque havia excesso de poupança decorrente do facto das pessoas terem baixas preferências temporais, mas sim porque foram injetadas na economia novas disponibilidades monetárias que aumentaram artificialmente a oferta monetária. Essa intervenção massiva por parte dos bancos centrais foi feita de forma concertada com os governos, que expandiram o seu peso na economia. Dado que os impostos são politicamente mais difíceis de aumentar, a alternativa passou pela emissão de dívida que os bancos centrais acabaram por comprar direta ou indiretamente. Simultaneamente, a expansão monetária estendeu-se, via multiplicador monetário, a toda a economia, levando a uma expansão do crédito sem respaldo de poupança prévia. As antigas crises de crédito, que foram surgindo amiúde, levaram a descidas de taxas de juro por parte dos bancos centrais e cedências de liquidez generosas. No entanto, como as taxas de juro nunca regressaram ao seu valor natural, pois ficaram muito baixas por razões sobretudo políticas, as ferramentas antigas foram substituídas pela compra direta de ativos (obrigações públicas e privadas) por parte dos bancos centrais. Esta é, em termos sucintos, a grande distorção existente no mercado de taxas de juro. 

Isolando o impacto da inflação

O primeiro impacto da inflação é aritmético e relativamente simples de perceber. De facto, sendo a rentabilidade real de uma carteira igual à rentabilidade nominal subtraída da inflação, uma subida/descida da inflação diminui/aumenta aritmeticamente a rentabilidade real de uma carteira.  

Já o impacto da inflação nos vários instrumentos financeiros é de mais difícil compreensão. Nas obrigações, sabemos que o seu valor varia inversamente com a variação do rendimento até à maturidade (yield to maturity - YTM). Estas YTM, no caso das obrigações soberanas de referência (treasuries, no caso dos Estados Unidos) com maturidades diversas, compõem a curva de taxas de juros de mercado (yield curve), que tendem a variar devido a vários factores, entre os quais assume cada vez mais relevância a presença ativa dos Bancos Centrais. Os Bancos Centrais têm, na maioria dos casos, como principal mandato controlar os níveis de inflação. Este controle é, na sua forma mais simples, feito através da subida das taxas de juro para procurar incentivar a poupança em detrimento do consumo, levando a um arrefecimento nas subidas dos preços. Todavia, o seu mandato tem ido para além desse papel mais tradicional, transformando-os em reais gestores da yield curve.

Mantendo-se as preferências temporais e o prémio de risco, uma subida das expectativas de inflação empurrará o YTM para cima e o preço das obrigações para baixo. Neste contexto, a componente de inflação tem tido uma evolução interessante. As expectativas de inflação têm aumentado quer na Europa quer nos EUA (a métrica para seguir estas expectativas é a diferença de yield entre obrigações de tesouro e as inflation linked bonds – a chamada break even inflation rate - BEI), o que acabou por, mais recentemente, pressionar em alta as próprias taxas de juro de mercado.

No gráfico abaixo podemos observar a azul o comportamento do YTM de uma obrigação do tesouro americano com maturidade em Julho de 2029 (neste momento está perto de 1.50%); a laranja o comportamento da BEIR implícita na inflation linked bond com maturidade próxima da obrigação anterior (cotando neste momento em torno de 2.65%); concomitantemente, a verde, temos o comportamento do real yield implícito na inflation linked bond, que não é mais do que a diferença das duas primeiras componentes, isto é, aproximadamente -1.15% na última observação.

Algumas conclusões:

  1. As inflation linked bonds beneficiam de subidas nas expectativas de inflação (BEI) mas não é líquido que uma subida dessas expectativas resulte numa subida das inflation linked bonds, dado que há outros determinantes que podem alterar-se, no caso em concreto as preferências temporais e o risco de crédito.
  2. As variações nas expectativas de inflação implícitas nas inflation linked bonds (BEI) permitem perceber se estas têm melhor (no caso de subida) ou pior (no caso de descida) comportamento do que as obrigações de tesouro equivalentes.
  3. A real yield varia inversamente com a variação dos preços das inflation linked bond.
  4. A expectativa de inflação implícita (BEI) é diferente da inflação observada (fututo vs passado).
  5. Decorre das conclusões anteriores que, embora úteis como proteção de uma subida da inflação esperada, as inflation linked bonds não protegem o investidor de uma subida do YTM. Para ficar imune a essa subida o investidor teria de recorrer a derivados, por exemplo abrindo posições curtas em obrigações do tesouro americano.
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