Hindsight Bias

Alexandre Mota

Sobre Racionalidade

Comecemos por aceitar que a racionalidade é a característica humana que permite considerar todas as opções de decisão com base numa estrutura lógica de pensamento e que a racionalidade em finanças coloca essa estrutura lógica ao serviço de um objetivo: a maximização da rentabilidade por unidade de risco.

Por quais razões os players do mercado se afastam desta racionalidade?

As finanças comportamentais procuram responder a esta questão. As razoes para esse afastamento prendem-se com aspetos emocionais e cognitivos, designados de vieses. Os vieses emocionais tratam os impulsos e os sentimentos dos decisores e são muito difíceis de mitigar.  Os vieses cognitivos tratam sobretudo raciocínios defeituosos, má leitura ou/e processamento de informação, defeituoso tratamento estatístico e falhas de memória. Pela sua natureza são passíveis de serem mitigados através de formação, melhor informação e aconselhamento financeiro. Se forem bem esmiuçados, analisados e explicados é provável que levem a uma alteração de comportamento por parte de quem os exibe, conduzindo a melhores decisões financeiras futuras.

Hindsight Bias

Neste artigo, focamo-nos especificamente num viés cognitivo designado de viés da Retrospetividade (Hindsight Bias)

No filme “O Milagre do Rio Hudson”, baseado numa história verídica, Tom Hanks interpretou o papel do protagonista, o comandante Sully. Em 15 de Janeiro de 2009, pouco tempo após a descolagem do aeroporto La Guardia em Nova Iorque, o AIRBUS A320 atingiu um bando de pássaros, o que resultou na imediata perda de potência de ambos os motores. Foi necessário decidir rápido e Sully decidiu amarar a aeronave nas águas frias do Rio Hudson, pois percecionou, tendo em conta a sua longa experiência como piloto, que não daria tempo para dar a volta e retornar ao aeroporto, nem sequer para aterrar noutro aeroporto das imediações. A manobra correu bem pois todos escaparam com vida, havendo apenas um ou outro ferido sem gravidade. Sully ascendeu a herói popular, mas nos bastidores as companhias aérea e seguradora quiseram assegurar-se de que aquela tinha sido a melhor decisão, até porque a aeronave tinha sofrido danos consideráveis. Será que Sully deveria ter voltado para trás em vez de ter protagonizado a amaragem temerária? Em resposta a esta questão entraram os simuladores. Replicando as condições de voo e comandados por pilotos experientes, os simuladores deram o seu veredicto: se Sully tivesse optado por aterrar no aeroporto de partida ou em outro das redondezas, todos os ocupantes sairiam ilesos, assim como a aeronave, com excepção dos motores. Quando teve acesso às gravações das simulações, Sully argumentou com o fator humano para pedir a repetição da simulação com 35 segundos adicionais acrescentados ao tempo entre a falha dos motores e a decisão pela rota a tomar. O argumento foi aceite e as simulações foram repetidas. Deram desastre e Sully voltou a ser considerado herói com todo o merecimento.   

Eram óbvios os interesses das companhias aérea e seguradora por um desfecho diferente, mas esse é apenas o ponto de partida. A questão fundamental foram os argumentos apresentados. Perante uma situação altamente incerta, e já conhecendo o resultado de uma decisão, que evidentemente não lhes agradou, as companhias adotaram uma narrativa que eliminou a incerteza e todo o tempo que é razoável esperar para o seu tratamento. De facto, nunca seria possível numa situação daquelas ter zero segundos para decidir. No mínimo, eram necessários alguns segundos para calcular as probabilidades (a olho). Segundos que mudam as probabilidades à medida que passam. O tipo de argumentação das companhias revelou um viés retrospetivo (hindsight bias).

Nos mercados financeiros, o viés retrospetivo consiste na ideia de que os acontecimentos ocorridos no passado poderiam de alguma forma ser previstos facilmente, baseando esta crença no conhecimento de factos atuais que não eram conhecidos na altura das decisões. Está associado a um processo mental de memória seletiva que nos faz recordar os acertos e esquecer as falhas. O passado é recordado tendo em conta as nossas convicções de hoje ao mesmo tempo que se esquece quais eram essas convicções no passado. A consequência é a crença de que se acerta mais do que a acontece na realidade, o que leva a uma sobrevalorização das próprias competências em detrimento das dos outros.

Infelizmente é um viés bastante normal nos investidores e que, intencionalmente ou não, é usado por muitos profissionais, através de um arsenal de técnicas comerciais a que normalmente está associado o Backtesting. Em termos simplificados, o Backtesting é uma técnica que permite simular os resultados passados com base num conjunto de parâmetros. Portanto, pode ser útil, sem dúvida. No entanto, se não for feito de forma cuidada (os detalhes não estão no âmbito deste artigo), o Backtesting não será mais do que uma seleção do que resultaria no passado à luz do que conhecemos hoje. Uma fraude, portanto. Acresce ainda o uso recorrente de técnicas comerciais que escondem a distinção de resultados simulados de resultados reais, o que acaba por resultar numa perceção enganadora sobre o potencial de resultados futuros.  

Há várias formas de mitigar o viés retrospetivo (hindsight bias). Por exemplo, pode ser mitigado através de registos mais detalhados sobre o processo de decisão e, no que diz respeito à performance, pode ser mitigado valorizando métricas que meçam a consistência. Já no que diz respeito ao Backtesting, os investidores devem prestar especial atenção aos detalhes do histórico apresentado e à qualidade da simulação, se for o caso.

 

 

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