Do Racional ao Irracional

Alexandre Mota

Comecemos por aceitar que a racionalidade é a característica humana que permite considerar todas as opções de decisão com base numa estrutura lógica de pensamento e que a racionalidade em finanças coloca essa estrutura lógica ao serviço de um objetivo: a maximização da rentabilidade por unidade de risco.

Por quais razões os players do mercado se afastam desta racionalidade?

As finanças comportamentais procuram responder a esta questão. As razoes para esse afastamento prendem-se com aspetos emocionais e cognitivos, designados de vieses. Os vieses emocionais tratam os impulsos e os sentimentos dos decisores e são muito difíceis de mitigar.  Os vieses cognitivos tratam sobretudo raciocínios defeituosos, má leitura ou/e processamento de informação, defeituoso tratamento estatístico e falhas de memória. Pela sua natureza são passíveis de serem mitigados através de formação, melhor informação e aconselhamento financeiro. Se forem bem esmiuçados, analisados e explicados é provável que levem a uma alteração de comportamento por parte de quem os exibe, conduzindo a melhores decisões financeiras futuras.

Vieses cognitivos

Foquemo-nos, primeiramente, em quatro vieses cognitivos ligados ao processamento da informação, seja por incapacidade de tratamento, seja por incompletude da mesma.

Viés do enquadramento (framing bias)

O viés do enquadramento consiste em ver a mesma informação ou responder à mesma questão de uma forma diferente, consoante o contexto ou a forma como essa questão é colocada. Por exemplo, se for pedido a um investidor que escolha entre dois portfolios de retorno e risco esperados semelhantes, sendo que no portfolio 1 é dito que há 80% de probabilidade de atingir os objetivos enquanto no portfolio 2 é dito que há 20% de probabilidade de falhar os objetivos, provavelmente o investidor responderá “porfolio 1”, devido à forma como a pergunta foi colocada (pela positiva). Este tipo de situações (mudanças de enquadramento) pode resultar numa identificação defeituosa da tolerância ao risco, portfolios ineficientes e trading excessivo. Outro exemplo frequente que potencia este viés são as apresentações de performance por parte das gestoras e fundos, mesmo que contenham informação comum. Esta situação, muitas vezes para lá da fronteira da ética, desorienta ou engana os investidores impreparados para uma análise mais crítica da referida apresentação. 

Em geral, para mitigar este viés, os investidores devem focar-se nas perspetivas futuras e não nas perdas ou ganhos passados, assim como devem manter a mente aberta na interpretação das diversas situações de investimento. Devem igualmente preparar (ou serem assessorados na preparação) de um questionário prévio com as questões que querem ver respondidas, em vez de se deixarem guiar pelas oscilações de enquadramento (os frames) suscitados por quem, intencionalmente ou não, as pratica.  

Viés da ancoramento e ajustamento (anchoring and adjustment bias)

Este viés consiste no uso de âncoras como base inicial para a decisão ou previsão de fenómenos com natureza incerta (um preço, uma previsão, uma alocação, etc) e a subsequente incorporação de nova informação através de um ajuste da decisão inicial face à âncora. Os investidores com este viés tendem a ficar demasiado ancorados em volta dos preços de aquisição ou dos valores que pré-definiram para venda. Por outras palavras, para esses investidores o preço de aquisição (a âncora) é mais importante para a decisão de manter um investimento do que a nova informação que, entretanto, for divulgada. Este viés está muito ligado ao viés de conservadorismo, mas distingue-se deste por estar sempre ligado a um número ou situação específica.

A principal maneira de mitigar este viés é, por exemplo, através das respostas a estas questões: “mantenho este título porque estou ancorado ao preço de aquisição?” OU “compraria hoje este título, tendo em conta a informação mais atual?”     

Viés da contabilidade mental (mental accounting bias)

O viés da contabilidade mental acontece quando os investidores não têm uma visão holística da sua riqueza. Em vez disso, alocam o seu dinheiro a diferentes “gavetas” tendo em conta a sua origem e tendo vista objetivos distintos, como por exemplo, objetivos de preservação, rendimento e aspiracionais. A principal consequência é a falha na consideração do risco e correlação do portfolio como um todo que decorre da falta de diversificação inter-gavetas. Também pode resultar em demasiado foco no rendimento distribuído versus um foco no resultado total, que incorpora rendimentos periódicos e valorizações.

A principal forma de mitigar este viés é através de formação financeira, considerando o portfolio como um todo nas tomadas de decisão. Portanto, o primeiro passo para quem gere o seu dinheiro por gavetas é somar as diferentes gavetas para assim ficar com a noção mais clara da carteira total e da forma como está ou não diversificada. Um exemplo desta situação prende-se com aqueles investidores que alocam o seu dinheiro por diferentes gestores (gavetas) negligenciando o facto de, frequentemente, a execução do mandato de gestão resultar em carteiras muito correlacionadas entre gestores. 

Viés da disponibilidade (availability bias)

O viés da disponibilidade consiste no uso de heurísticas (atalhos mentais) para estimar a probabilidade de um resultado, tendo em conta a facilidade com que esse resultado vem à memória ou é mais facilmente processado. Está ligado à recuperabilidade (retrievability) - quão facilmente ou rapidamente algo é lembrado; à categorização (categorization) – uso de classificações familiares mesmo que não sejam relevantes; amplitude de experiência (range of experience) – quando se tomam decisões baseadas numa experiência curta quer temporalmente, quer em termos de amostra; ressonância (resonance) – quando estamos enviesados pela forma como uma situação é semelhante à nossa própria experiência. As consequências do viés da disponibilidade poderão consistir numa sensibilidade à publicidade na escolha de gestores ou mesmo de investimentos. Consequentemente, o universo de oportunidades é estreito, pouco diversificado e ineficiente.

A melhor forma de mitigar este enviesamento é através de uma política de investimento, research aprofundado e foco no longo prazo.

Seguidamente, vejamos os vieses cognitivos que poderemos designar de perseverança nas convicções.

Ter convicções não é, só por si, um problema, pois se forem bem fundamentadas através de um racional e processo coerentes, o que inclui especiais cuidados com a sua revisão periódica, sinalizam solidez na gestão. O problema surge quando as velhas convicções são mantidas sem valorizar devidamente a nova informação, mesmo em situações em que há formal ou informalmente uma revisão periódica.

Viés do Conservadorismo (conservatism)

O viés do conservadorismo consiste na manutenção de convicções e crenças iniciais, incorporando inadequadamente a nova informação existente. Neste viés as velhas convicções tendem a ser mantidas e a nova informação é incorporada de forma lenta. As consequências são a pouca predisposição para a atualização das convicções, o que resulta num processo estático e na manutenção de linhas de investimento por mais tempo do que ocorreria se as novas informações fossem devidamente valorizadas. Pode ser mitigado através de melhorias no processo de investimento, designadamente através de um pensamento de “base zero”, isto é, fazendo um exercício mental em que se limpam as convicções antigas e recomeça-se com um racional que tem em linha de conta toda a informação velha e nova no sentido de construir as novas convicções. Também pode ser mitigado de uma forma mais suave respondendo racionalmente à pergunta: “Em que medida a nova informação altera a minha convicção inicial?”

Viés da Confirmação (confirmation bias)

O viés da confirmação consiste na valorização de novas informações que confirmem as convicções existentes e desvalorização das informações que as põem em xeque. Pode inclusive levar à busca ativa de boas informações através de um processo de seleção enviesado. A consequência é a existência de um portfolio mais arriscado e menos diversificado do que o devido, composto por linhas de investimento mantidas durante demasiado tempo, por estarem baseadas apenas informações que as validem. Pode ser mitigado através da busca e tratamento de informações e análises que contrariem a tese subjacente à convicção inicial, colocando-as em confronto com as análises que confirmam a tese inicial.

Viés da Ilusão de controlo (illusion of control)

O viés da ilusão de controlo consiste na percepção errada de que controlamos os resultados das nossas ações. Tem subjacente um excesso de confiança que também está associado a aspetos emocionais. A consequência é a manutenção de um portfolio pouco diversificado e, em alguns casos, trading excessivo. Pode ser mitigado procurando opiniões contrárias e entendendo o carácter probabilístico do investimento (“ninguém sabe o que vai acontecer”). O registo das decisões e o racional das mesmas também podem ajudar a compreender o ambiente inerentemente incerto que as caracteriza.

Viés da Representatividade (representativeness bias)

O viés da representatividade consiste no uso de heurísticas ao invés da análise profunda no tratamento da nova informação. Pode caracterizar-se por negligenciar ou retirar peso à velha informação ou/e negligenciar o tamanho da amostra, valorizando excessivamente os resultados oriundos de amostras pequenas. A principal consequência é a tomada de decisões com base em estereótipos, atribuir um peso excessivo à informação recente e basear as decisões em amostras muito pequenas. Pode ser mitigado com uma análise aprofundada do histórico, o que pode permitir colocar a nova informação em perspetiva.

Viés da Retrospetividade (Hindsight Bias)

O viés retrospetivo consiste na ideia de que os acontecimentos ocorridos poderiam de alguma forma ser previstos facilmente. Está associado a um processo mental de memória seletiva que nos faz recordar os acertos e esquecer as falhas. O passado é recordado tendo em conta as nossas convicções de hoje ao mesmo tempo que se esquece quais eram essas convicções no passado. A consequência é a crença de que se acerta mais do que a acontece na realidade, o que leva a uma sobrevalorização das próprias competências em detrimento das dos outros.

Pode ser mitigado através de registos mais detalhados sobre o processo de decisão. No que diz respeito à performance, pode ser mitigado valorizando métricas que meçam a consistência.

Vieses emocionais

Embora as questões emocionais não tenham um tratamento consensual, para efeitos de análise nas finanças comportamentais, a emoção humana caracteriza-se pela predominância da reação sobre a reflexão, da espontaneidade sobre a preparação, do inconsciente sobre o consciente. Devido às suas características, as emoções são mais difíceis de corrigir, pelo que o seu reconhecimento e subsequente adaptação são o caminho correto para mitigar as suas consequências.

Neste contexto, vamos analisar seis vieses emocionais: o viés da aversão à perda (loss aversion); o viés do excesso de confiança (overconfidence); o viés do auto-controlo (self-control bias); o viés da doação (endowment bias); o viés da aversão ao arrependimento (regret aversion) e o viés do status quo (status quo bias).

Viés da aversão à perda (loss aversion)

A aversão à perda consiste em sentir mais dor devido a uma perda do que prazer devido a um ganho. Quem tiver este viés emocional preferirá evitar perdas a alcançar ganhos.  A principal consequência é a manutenção de posições perdedoras e a venda de posições ganhadoras demasiado cedo, o que resulta em trading excessivo. Esta situação, designada de efeito de disposição (disposition effect) resulta em portfolios mais arriscados do que seria desejável.

Este viés é muito difícil de ser ultrapassado, mas uma abordagem disciplinada, com uma atualização de possibilidades futuras independentemente das posições detidas, permite colocar a emoção em perspetiva.

Viés do excesso de confiança (overconfidence)

O excesso de confiança resulta de uma fé exagerada nas próprias capacidade preditivas. Pode estar ligado a memórias recentes de sucesso. A principal consequência é a subestimação dos riscos e a sobrestimação dos retornos. Pode também levar a trading excessivo, mais custos de transação e, consequentemente, menos retornos.

Sendo muito difícil de mitigar, os registos escritos podem ajudar bastante a perceber a influência do desempenho recente na motivação para uma decisão de investimento. Portanto, um track record introspetivo ajudará a mitigar esta tendência natural de agigantamento após bons momentos. A verdade é que o mercado não se movimenta como queremos só porque estamos mais ou menos confiantes.  

Viés do auto-controlo (self-control bias)

A ausência de auto-controlo manifesta-se na incapacidade de seguir um plano estruturado e também está ligada à tendência para consumir mais do que os rendimentos (poupança negativa). Outra manifestação comum deste viés é a ênfase exagerada em ativos que distribuem rendimentos ao invés de um foco no retorno total. As consequências previsíveis são o falhanço na prossecução de objetivos de longo prazo, problemas de alocação devido à ênfase no curto prazo e risco excessivo. 

A melhor forma de mitigar este viés é através de um orçamento plurianual, com revisões periódicas, a par de uma política de investimentos integrada com esse orçamento.

Viés da doação (endowment bias)

O endowment bias acontece quando valorizamos os ativos que detemos mais do que estaríamos dispostos a pagar por eles, sendo as heranças uma manifestação típica deste fenómeno. A consequência principal é a manutenção de investimentos por default, por tradição ou porque são familiares, o que resulta frequentemente em más alocações. 

Sendo difícil de mitigar, um plano gradual de transformação a par de uma investigação histórica do risco retorno dos ativos em comparação com alternativas, assim como a mesma comparação prospetiva, poderão ajudar a reduzir este viés.

Viés da aversão ao arrependimento (regret aversion)

O viés da aversão ao arrependimento consiste na tendência para não fazer nada devido ao medo de tomar uma decisão errada. Portanto, há uma inclinação, empolada pelas formas de avaliar decisões, para aceitar erros de omissão, evitando a todo o custo erros que decorrem da ação. Como consequências principais temos: o comportamento de manada (fazer igual aos outros para evitar responsabilidades); evitar entrar num mercado que caiu muito recentemente, mesmo reconhecendo que há uma oportunidade.

A melhor forma de mitigar este viés é através da formação financeira e da revisão histórica. É necessário interiorizar que o investimento é sempre uma atividade de risco e que há o risco de fazer mas também o risco de não fazer ou fazer tarde.

Viés do status quo (status quo bias)

O viés do status quo consiste na tendência para manter os investimentos. Resulta de um desejo de nada fazer em vez de procurar ativamente uma alternativa melhor. A consequência é a manutenção de portfolios desajustados.

É muito difícil de mitigar porque interage frequentemente com outros vieses emocionais e cognitivos, como por exemplo a aversão ao arrependimento e o conservadorismo.

 

 Disclaimer:

Esta informação destina-se exclusivamente a clientes reais ou potenciais da PARTNERS 2U, não sendo permitida a sua divulgação, sob qualquer forma, sem autorização prévia da Partners2U. Este documento está incluído na categoria de informação de mercados e perspetivas macroeconómicas, sendo que estas representam a opinião da Partners2u, na data de elaboração do documento, mas não configuram uma recomendação de investimento. Adicionalmente, este documento não representa, só por si, uma oferta comercial de nenhum tipo. Os investimentos discutidos nesta informação podem não ser adequados a investidores, antes dependendo do seu perfil de risco, objetivos específicos de investimento, situação financeira geral e necessidades de liquidez. A performance passada não é necessariamente um indicador de performance futura.

A Partners2U—SCI, Lda. não aceita nenhum tipo de responsabilidade por perdas ou danos que poderão surgir da utilização deste documento.

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